O FIM DO PESADELO ESTÁ PRÓXIMO E SE DERROTADO, O DESTINO DE BOLSONARO É FICAR FALANDO SOZINHO.
Hoje, querido leitor, queria me dedicar a algumas breves considerações de caráter eminentemente profético. Posso? Devo? É uma temeridade, bem sei. Raramente temos base para tal. A única coisa líquida e certa é o presente, aquela sucessão de momentos fugidios.
Até mesmo o passado é uma certeza ilusória, pois vai se modificando de forma imprevisível com o passar do tempo, tempo que não respeita nem o que já aconteceu. Já o futuro está sempre envolto em espessa e impenetrável névoa. Alguns poucos conseguem enxergar para além dessa névoa. Não é o meu caso, infelizmente.
O economista, aliás, é o último e o mais precário dos profetas, mesmo quando se atém à sua área.
Em 2018, fiz uma profecia política que parecia razoável e dei com os burros n’água. Foi medonho. Acreditava que Jair Bolsonaro, figura tão repulsiva, seria derrotado inapelavelmente no segundo turno, mesmo com Lula fora do páreo, excluído que estava por descaradas manobras golpistas. A escolha não é difícil, pensei ingenuamente.
Comprovei, mais uma vez, que o Brasil é a minha grande ilusão. Relendo Keynes outro dia, trombei com uma observação dele sobre Clemenceau, com a qual me identifiquei plenamente: “Clemenceau tinha uma ilusão – a França; e uma desilusão – a humanidade, incluindo os franceses”.
Importante essa distinção entre o país e seus nacionais, distinção que também fazia De Gaulle. Para um nacionalista, só os últimos decepcionam.
Feitas essas ressalvas, começo, enfim, a falar do futuro. O fim do nosso pesadelo está próximo, leitor. Não lhe parece? É verdade que o show de horrores continua e se agravou nos meses recentes. Bolsonaro, coadjuvado por Arthur Lira, está fazendo estrago em todas as áreas, na luta desenfreada por sua reeleição. Estão dispostos a tudo. De mãos dadas, vão destruindo tudo que tocam. Mas invoco um antigo provérbio: “A noite é mais escura quando a aurora se aproxima”. Não terá base científica, mas parece boa metáfora para o nosso momento.
Não há dúvida de que Bolsonaro, com a máquina na mão e o Congresso no bolso, tem muita munição. Está se valendo disso sem o mínimo escrúpulo. Cometeu, entretanto, alguns erros, talvez fatais.
A PEC do desespero, um grande pacote de transferências sociais, notadamente a duplicação do Auxílio Brasil, veio tarde demais, tudo indica. Se tivesse sido aprovada no início do ano, o seu efeito seria certamente muito maior e poderia até ser decisiva para a reeleição do estrupício.
O caminho tentado inicialmente pelo governo, o de reduzir impostos sobre combustíveis, não era tão promissor. O repasse aos preços era incerto e a resistência dos governadores à redução do ICMS dificultava o avanço da proposta. Perdeu-se com isso tempo precioso.
Tendo chegado tarde, a PEC empurra, na pior das hipóteses, a disputa para um segundo turno entre Lula e Bolsonaro. Segundo algumas interpretações, é exatamente o que buscam o presidente e os seus comparsas parlamentares. Sabem que não há chance de vitória no segundo turno, dada a alta rejeição do presidente. Mas no segundo turno, especula-se, haveria a oportunidade de tentar um golpe e melar tudo.
Será mesmo? Arrisco dizer que não há condições para tal. Um golpe tem certos requisitos, requisitos que parecem ausentes na atual conjuntura nacional e internacional. Por exemplo, há apoio amplo na sociedade civil? Uma parte da classe média está nas ruas, como em 1964 e 2015? Os golpistas teriam apoio externo, especialmente dos Estados Unidos?
A verdade é que Lula leu a conjuntura com maestria. Ele é o líder político mais experiente do Brasil, quiçá do mundo. A frente ampla, superampla, que ele vem construindo aos poucos tem a função não só e nem principalmente de angariar votos, mas de neutralizar o golpismo. Trata-se de uma gigantesca operação tipo “senta que o leão é manso”. Mostrou-se de forma cristalina, mais cristalina impossível, que a escolha não é nada difícil.
Enquanto isso, Bolsonaro foi se isolando em apelos cada vez mais estridentes à sua base radicalizada. Fidelizou a base, mas aumentou a sua rejeição. Cresceu o número de relutantes e até de antipetistas dispostos a votar em Lula para se livrar do desastre. Tapando o nariz, dizem. Ok, venham. Todos são bem-vindos nesta hora dramática.
Por isso, querido leitor, muita calma nesta hora. Como time que está com boa vantagem no segundo tempo da partida, temos de jogar com um olho na bola, outro no relógio. E não vamos repetir o erro de Stefan Zweig, que cometeu suicídio quando o fim do pesadelo nazista estava próximo. (Fonte: Paulo Nogueira Batista Jr.)
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1218 DE CARTACAPITAL, EM 27 DE JULHO DE 2022.
SE DERROTADO, O DESTINO DE BOLSONARO É FICAR FALANDO SOZINHO
Foi para o lixo uma das recomendações feitas por assessores de Bolsonaro às vésperas do lançamento de sua candidatura à reeleição: nada de atacar as urnas eletrônicas no discurso a ser ouvido por um Maracanãzinho lotado; e nada de criticar ministros do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior Eleitoral.
“Eu estou pronto para conversar com ele, sem problema nenhum. Eles convidaram as Forças Armadas”, prosseguiu Bolsonaro. “É impressionante que a grande mídia não tenha mais a curiosidade investigativa. Tem um inquérito da PF desde 2018 com informações prestadas pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral”.
O tal inquérito é sobre a invasão por um hacker do sistema de computadores do tribunal. Isso em nada afetou os resultados das eleições daquele ano, uma vez que as urnas eletrônicas não são acessíveis pela internet. Bolsonaro sabe disso, mas não resiste a espalhar notícia falsa. Aposta na ignorância dos seus devotos
“A eleição não é do TSE, não é do Supremo, não é do Executivo, nem do Legislativo, as eleições são do povo. E o povo quer ter certeza em quem ele votou”, completou. Mais de 70% dos eleitores dizem confiar nas urnas eletrônicas. Parte dos que não confiam dão ouvidos a Bolsonaro – entre eles, militares que o cercam.
Bolsonaro apela para a desordem no caso de não se reeleger. À falta de imaginação, copia o que fez Donald Trump ao ser derrotado por Joe Biden. O Centrão, que há quatro anos ele dizia abominar, hoje o apoia, e ele ao Centrão, mas não para melar as eleições. O Centrão não rasga dinheiro nem mandato.
Que políticos eleitos irão concordar com Bolsonaro se ele disser que perdeu por que as eleições foram fraudadas? Os votos para presidente, governador, senador, deputado são dados nas mesmas urnas e apurados da mesma maneira. Ou se anula a eleição para todos os cargos ou não se anula para nenhum.
Os políticos, depois de 2 de outubro, data do primeiro turno, deixarão Bolsonaro falando sozinho. (Fonte: Metrópoles)
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