Como a vida de garotas pode mudar após terem privacidade divulgada na internet

Ficar sem ir à faculdade, escola, ter sempre a sensação de perseguição e julgamento. É assim que vive a maioria das meninas que têm a sua intimidade exposta nas redes sociais. A divulgação de fotos ou filmagens por qualquer rede de interação social por meio da internet transforma de maneira drástica a vida de qualquer pessoa que é vítima de vingança pornô. O crime, cada vez mais comum, acontece quando alguém divulga fotos ou vídeos íntimos sem o consentimento da vítima em sites da internet.

mulher pensando

A filmagem em que Amanda Moura*, 17, estudante, faz sexo oral em um namorado foi publicado no Whatsappem março de 2014.  Durante uma festa, ela fez uso de bebida alcoólica e maconha, e, pediu para que uma amiga filmasse ela praticando sexo oral no namorado da época, 20 anos mais velho.

Na mídia em questão, filmado por sua amiga Eliana*, Amanda aparece praticando o sexo oral e do parceiro nada se via além do órgão sexual e sua calça abaixada. “No dia seguinte, pedi que ela apagasse, só gravei como forma de diversão, no entanto, ela não apagou e acabamos brigando. Por vingança, ela o enviou para um desafeto meu, que invejava o meu namoro, pois tinha interesse nele”, contou Amanda.

Após receber o vídeo, a pessoa com quem Amanda não se dava bem o enviou para diversos grupos de Whatsapp, espalhando-o muito rápido. Após a divulgação, Amanda perdeu a vontade de comer, chorava muito e chegou a ingerir meio litro de água sanitária, para tentar cometer suicídio. “O líquido me deixou mal, não tive nada, apenas uma dor de cabeça, garganta ardendo e por conta disso passei o dia deitada”, revelou.

(Foto: AFP/Reprodução)

Para tentar se afastar das provocações e brincadeiras, foi necessário mudar por um tempo para a casa de uma tia, em outro bairro, mudar de escola e de turno, estudando agora numa escola técnica, onde, segundo ela, as pessoas são mais maduras e não a julgam tanto. “Como lá tem mulheres que já são mães e algumas até mais velhas, a mente é outra. Muitas nem sabem do vídeo”.

Segundo a psicanalista Andrea Holnagel, é normal que o psicológico fique abalado, pois essa é uma situação de extrema exposição. “Essa exibição da intimidade é uma coisa de ordem psíquica, não só de ordem moral. É muito complicado, por exemplo, a vítima falar sobre o caso”, relatou. 

Confiança abalada

Seis meses após a divulgação do vídeo, a jovem começou a namorar outro rapaz, também mais velho, que conheceu em seu bairro. Ele tinha conhecimento do vídeo e, apesar da repercussão, não a julgou. Hoje, cinco meses após o término do namoro, a jovem diz ter medo de se relacionar com outros homens. “Dificilmente encontrarei outro homem que entenda a minha situação, pois muitos homens viram meu vídeo, eu fui exposta, quem teria coragem de ficar com uma mulher que os amigos têm um vídeo íntimo guardado no celular?”, desabafa.

A primeira ação da jovem foi contar a sua mãe, que por incentivo buscou a Delegacia Especializada de Repressão a Crimes contra a Criança e ao Adolescente (Derca), levou o vídeo em um cartão de memória, dando entrada em um Boletim de Ocorrência e acusando Eliana de compartilhar e armazenar o vídeo.

Como procedimento padrão, o Derca encaminhou Amanda para o Instituto Médico Legal, Nina Rodrigues, onde foi submetida a exames de corpo de delito, ginecológicos, de sangue e para detectar DST’s, doenças sexualmente transmissíveis. Ela está sendo acompanhada pelos agentes de saúde até o momento.

Outro método do Derca é buscar, por meio de um oficial de justiça, o acusado, para que possa comparecer nas audiências. São feitas três tentativas, caso o oficial de justiça designado não encontre o acusado, o caso será arquivado. Para dar segmento ao processo, segundo Carolina Orrico, advogada e coordenadora do curso de Direito da Faculdade Social da Bahia, a vítima deve procurar um advogado ou ir direito na Defensoria Pública, para dar entrada num processo civil e criminal, “é muito importante isso para evitar a impunidade”. 

Lidar com o crime

O crime de divulgação de imagens ou filmagens de sexo explícito, onde há exposição da vítima, é algo cada vez mais comum. Em 2013, a ONG Safernet, que presta apoio a pessoas vítimas de crimes cometidos na rede, registrou 39 casos de atendimento às vítimas que tiverem vídeos e fotos divulgados na rede no Brasil. Nos primeiros meses de 2014, a ONG registrou 108 casos.

(Foto: AFP/Reprodução)


Para as vítimas do porn revenge, o delegado indica procurar o quanto antes uma delegacia, faz-se um boletim de ocorrência e apresenta o maior número possível de provas.  Se a vítima for menor de idade, é necessário procurar o Derca, que é a delegacia especializada em crimes contra crianças e adolescentes, localizada no bairro de Matatu de Brotas.

Para maiores de idade, deve buscar qualquer delegacia, e assim, o caso é encaminhado para o Grupo Especializado de Repreensão aos Crimes por Meios Eletrônicos (GME).

A papelada ocupa praticamente toda a área da pequena sala, de pouco mais de 25 metros quadrados. A escrivã, o chefe de investigações e o delegado dividem o minúsculo espaço livre de documentos. O cenário chama particularmente a atenção por se tratar de uma delegacia especializada em ‘crimes digitais’. O GME funciona na sede da Polinter, no bairro dos Barris.

Depois do conteúdo divulgado nas redes, é necessário conseguir um “print” (captura da imagem que está na tela) da página onde aparece a referência do conteúdo exposto, junto com um “link” da hospedagem da página.

“Após de instaurada a investigação, em termos de punição, o acusado irá responder por injúria, calúnia ou difamação, pegando uma pena que vai de até dois anos. A não ser que a vítima queira procurar a vara cível, onde ela pode buscar algum tipo de ressarcimento material”, diz o delegado Charles Leão.

Charles comenta que o “Marco Civil da Internet” facilitou as investigações, pois obriga aos sites e aplicativos de outros países a fornecer informações para a polícia.

(Foto: AFP/Reprodução)

O que é o Marco Civil da Internet?

Para o Marco Civil da Internet, qualquer tipo de empresa voltado ao ramo das redes de internet, mesmo sendo ela estrangeira, tem a obrigação de respeitar e seguir a legislação imposta pelo país para que possa continuar operando em território Nacional. Caso sejam desrespeitadas as leis, sanções deverão ser tomadas, afim de advertir a empresa, com uma multa de até 10% de seu faturamento, pode ser suspensa suas atividades, podendo ser proibida de manter atividades no país.

Já no caso da empresa que fornece a conexão para o usuário, essa já não deve ser responsabilidade pelo compartilhamento do conteúdo de seus clientes. Já a empresa que fornece o serviço de banco de dados (blogs, redes sociais, vídeos, etc), corre o risco de ser punida pela justiça brasileira, caso o conteúdo não seja retirado das redes após aviso judicial.

A justiça brasileira pode estipular um prazo para que o conteúdo advertido saia de circulação, mas é cabível à um juiz poder antecipar a retirada caso houver “prova equívoca”, sempre levando em consideração o tipo de material que está circulando/compartilhando ou causando algum mal à pessoa prejudicada.

Diferença entre os crimes cibernéticos

A Legislação é direta quando a vítima é menor de idade:

Quando a vítima for menor de idade, os responsáveis devem ir direto ao Delegacia Especializada de Repressão a Crimes contra a Criança e ao Adolescente (Derca), delegacia especializada nesse tipo de crime, que fica na rua das Pitangueiras, nº 26 em Matatu de Brotas.

De acordo com o Artigo 241, da Lei º 8.069 de 13 de Julho 1990, fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou pornografia ou adolescente, apresentar, reproduzir, vender, fornecer, divulgas ou publicar em qualquer meio de comunicação na internet (a exemplo de aplicativos WhatsappInstagram ou páginas da internet como FacebookYoutube), por rede de computadores, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente.

As penas variam a depender do tipo de participação da pessoa na divulgação das imagens. A pena é de reclusão de três a oito anos. 

Para maiores de idade existe a Lei Carolina Dieckmann:

Essa lei, que entrou em vigor no ano de 2012 prevê que invadir aparelhos eletrônicos para roubar informações e dados é crime. Seja ele por qualquer meio eletrônico (à exemplo de notebooks, tablets, desktops, smartphones e afins) Para esse tipo de crime, a pena é de detenção de três meses a um ano, seguido de multa estipulada pelo juiz.

A Lei inclui também como crime a falsificação de documentos particular ou cartões pessoais, que prevê reclusão de um a cinco anos e multa, também estabelecido pelo juiz.

*Nomes fictícios para preservar identidade das fontes.

Quem faz com uma faz com outra

Relato de uma vítima de vingança pornô

Nada vai apagar a lembrança. Amigos, familiares, vizinhos e até desconhecidos, todos a estavam julgando pelo ocorrido. O caso aconteceu em setembro de 2014, quando Bruna Sales* teve uma foto em que aparece nua, divulgada por um ex-namorado, no Facebook.

Envergonhada, Bruna gravou um vídeo e publicou no Facebook, contando o ocorrido e pedindo compreensão de todos os seus conhecidos. Ela contou o quanto ficou envergonhada com a exposição desnecessária da foto e que estava fragilizada com a situação, no vídeo ela pedia a compreensão de quem teve acesso ao conteúdo. O vídeo teve mais de 45 mil visualizações em um único dia.

Imagem/Divulgação

“A gente se conheceu no Facebook, marcamos de nos encontrar e depois a gente já estava namorando. Ele tinha uma ex-namorada que, após a separação, passou a morar atrás da casa dele. O homem batia na mulher de manhã, de tarde e de noite. Isso tudo para me provar que não voltaria com ela. Já comigo era aquele amor. E eu pensava o tempo todo: se ele batia nela, imagine o que não iria fazer comigo.”

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